I Love Haters

Os chatos sempre existiram, desde os primórdios da humanidade. Mas agora, na era da Santa Inquisição Digital, eles foram empoderados com teclados e câmeras, ganhando espaço infinito no universo paralelo das redes sociais.

E o pior é que esses “Torquemadas modernos”, que incendeiam a internet com agressões de todos os calões, são sustentados por uma legião de seguidores, que alimentam o discurso de ódio com curtidas e comentários de apoio sempre que a vítima é um herege distraído, navegando pelo lado oposto de seus credos. E o mesmo acontece na contramão. Se há uma lição que aprendemos nestes tempos de extrema polarização política, é que a intolerância é ambidestra.

Com as marcas, não é diferente. Estão sujeitas a toda sorte de linchamento virtual a qualquer momento, por qualquer deslize de conduta ou da comunicação. Se considerarmos que sites e fanpages são as sedes das empresas na internet, nada justificaria o comportamento de alguns consumidores que, frustrados com o desempenho de produtos ou com a atitude de diretores, invadem seu espaço digital para ofender e difamar. Difícil imaginar o mesmo na sede física da empresa, ou seja, alguém entrar chutando a porta, gritando, xingando e ainda cuspir no chão ao sair. Mas, protegidos pela tela do celular ou do computador, sabem que podem até perder a compostura, mas não perderão os dentes ao serem abordados por algum segurança. Será que essas mesmas pessoas falariam mal da Harley Davidson em um encontro de Hells Angels? Enfim, as pessoas precisam aprender que, independentemente do meio de expressão, a educação, aquela que recebemos em casa desde pequenos, vale para tudo.

Particularmente, acho positiva essa manifestação do lado negro da força no ambiente mercadológico. Sempre achei, desde quando caminhava pelo mais longínquo território do off-line, onde nasci e me criei como profissional. Acredito que a “polêmica” é o quinto “P” do marketing, quando bem administrada pode render uma exposição enorme para a mensagem, de forma espontânea e gratuita. Aprendi isso fazendo campanhas de prevenção da Aids para o Ministério da Saúde, nos idos de FHC. A questão era (e é) dogmática. Mesmo se fizéssemos um comercial apenas com a frase “Neste Carnaval, use camisinha” sobre fundo branco, haveria contestação de setores mais conservadores da sociedade. Por diversas vezes, lancei campanhas em clima de apedrejamento verbal, tendo que enfrentar fanáticos religiosos pessoalmente ou por telefone, sempre que dava uma entrevista no rádio ou na TV.

Já que esse tipo de reação era inevitável, fazíamos campanhas ainda mais ousadas e polêmicas, com filmes de grande impacto. Em uma ocasião, estávamos produzindo um comercial cuja ideia era mostrar o depoimento de uma garota que falava com alguém em especial da audiência: o parceiro desconhecido com o qual tinha mantido relações sexuais no último Carnaval, depois de beber um pouco além da conta. Ela fazia um alerta olhando direto para a câmera: “Se você é o cara com quem fiquei naquela noite, acho bom fazer o exame de HIV. Porque eu não sei se peguei ou se passei o vírus para você”. Pedimos para a produtora escolher uma boa atriz entre 20 e 25 anos, sem mais detalhes. Quando mostraram o teste de elenco, a melhor atriz era uma negra, que desempenhou o papel de maneira emocionante e por isso era a recomendação do diretor. Na mesma hora, alguns profissionais da agência já previram o problema.

Quando apresentamos ao cliente, começou a discussão. Diziam que pela primeira vez iriam mostrar alguém supostamente soropositivo na TV e o fato de ela ser negra iria sugerir algum tipo de preconceito. O imbróglio só terminou quando resumi a situação a uma questão muito simples: “Quer dizer que estamos excluindo a melhor atriz só pelo fato de ela ser negra?” O silêncio durou alguns segundos. Não havia resposta aceitável para esse tipo de injustiça e o comercial foi produzido e levado ao ar. No dia seguinte, recebemos uma notificação da Associação Brasileira dos Negros Progressistas, exigindo que fosse suspensa a veiculação. O caso foi parar em um debate na TV. Ainda nos camarins, o presidente da tal entidade veio a mim se justificando. Disse que achava o comercial excelente, mas que não podia deixar de aproveitar a oportunidade para discutir publicamente a questão do preconceito racial no país. Nesse caso, ganharam todos: a ONG, a atriz, a agência e a saúde pública. A campanha teve uma repercussão equivalente a 5 vezes o valor investido na mídia.

A diferença é que nos meios digitais a velocidade é instantânea. Participei de alguns embates, apanhei de vários haters até pegar o jeito e descobrir alguns truques, que sempre repasso para minhas equipes e alunos:

1 – Não assumir a culpa se tiver a convicção de não a possuir (e o contrário é ainda mais verdadeiro);

2 – Ser rápido nas respostas e não fugir de nenhuma questão;

3 – Embasar os argumentos com critérios técnicos ou estatísticos;

4 – Nunca apoiar quem estiver defendendo seu ponto de vista (passa a ideia de que ele ou ela é inteligente e os outros não);

5 – Jamais perder a paciência e a educação.

Grandes empresas já descobriram a força de uma boa polêmica para sua imagem de marca e utilizam isso em suas estratégias. O segredo é avaliar antes todas as possíveis reações e se preparar para elas, com respostas previamente estudadas e definidas. Mas algumas corporações ainda possuem um protocolo digital evasivo, escapista até. Em caso de qualquer problema nas redes sociais, a orientação é pedir desculpas e retirar o post do ar. Além de ser uma postura covarde, essa estratégia abre mão de todas as vantagens de uma discussão saudável sobre o tema, que pode ampliar a visibilidade da marca e a manifestação de seus defensores. Muitas vezes, abrem mão da razão ou de um ponto de vista defensável apenas para fugir da briga. Não me parece uma atitude sensata. Nem na internet, nem na vida.

Por Renato Cavalher, Head of Creative Strategy do Grupo OM

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